Conforme noticiamos há algumas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfim julgou os Embargos de Declaração opostos pelo Estado do Rio Grande do Norte (RN) na ADC nº 49 em que se discute a constitucionalidade da incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre filiais, bem como a possibilidade de se transferir o crédito de ICMS em apreço à não-cumulatividade do imposto.
Inicialmente, a discussão da ADC nº 49 versava sobre a possibilidade ou não de se exigir ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Esta discussão já estava estabilizada não apenas em razão do quanto entendido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestado na famosa Súmula nº 166, editada há mais de 20 anos, mas também pelo recente posicionamento manifestado pelo próprio STF no ARE 1.255.885/MS, julgado em repercussão geral em 14.08.2020.
Contudo, para apimentar a discussão, o estado do RN opôs embargos de declaração sobre a necessidade de se modular para futuro os efeitos da decisão, bem como afastar tanto a manutenção do crédito da entrada nas saídas não oneradas, quanto a transferência de crédito entre estabelecimentos.
Em regra, as saídas não oneradas de bens e serviços impõem o estorno do crédito da entrada, nos termos do artigo 155 §2º, II da Constituição e artigo 20 da Lei Kandir nº 87/96. Para os contribuintes, esta saída aqui tratada é relativa às comercializações, sendo que as transferências entre filiais não geram a mudança de titularidade dos bens, tão somente o espaço físico. Logo, não se trataria de saída propriamente dita, o que, por conseguinte, não impõe o estorno de crédito.
Neste sentido, ficou reconhecido o direito de os contribuintes manterem os créditos de ICMS mesmos nas transferências não tributadas, sendo assegurada, a partir de 2024, a transferência para as filiais de destino de modo a compensá-los com as saídas tributadas, gerando, assim, uma efetiva não-cumulatividade do imposto.
Ficou concedido o prazo até o final de 2023 para que os Estados regulamentem a transferência dos créditos mediante convênio junto ao CONFAZ. Se não houver a regulamentação, os contribuintes estarão liberados para efetivar as transferências e utilizar os créditos da mesma forma.
Lado outro, o Supremo modulou os efeitos de seu entendimento também quanto ao débito, ou seja, a não tributação das saídas em transferência, sendo que para este ponto estabeleceu também o marco de 2024 para que a tributação deixe de ocorrer, ressalvados os contribuintes que tinham discussões pendentes de julgamento na data do julgamento de mérito da ADC 49, ocorrido em 29.04.2021.
Por esta modulação, instituída a pedido do Estado do RN, poderão recuperar ICMS pago indevidamente no passado apenas os contribuintes que discutiam o tema antes de 29.04.2023. Os demais contribuintes, além de nada recuperarem, ainda apenas estarão isentos da tributação em 2024.
Nota-se verdadeiro equívoco do STF nesta tratativa, qual seja, na modulação da não incidência do ICMS nas saídas e a fixação do marco de 2024 para a não tributação, pois esta discussão é muito antiga, baseada na famosa Súmula 166 do STJ, instituída em 1996. Vejam que há quase 30 anos a jurisprudência do Brasil entende que não poderia haver tributação das transferências. Mais que isso, o próprio STF anos atrás já havia julgamento este tema em Repercussão Geral, tendo assinalado a não incidência do ICMS e sem realizar qualquer modulação.
Não havia que se modular a não incidência do ICMS nas saídas, pois os Estados, todos eles, incluindo o RN, sabem há décadas que a sua cobrança é ilegal e mesmo assim continuaram agindo e tributando os contribuintes. Agora, vem o Estado ao STF e pede a modulação dos efeitos para não ter que restituir imposto recebido indevidamente.
Esta vergonha do STF afeta frontalmente contribuintes de boa-fé, que baseados em uma jurisprudência de décadas, tiveram o direito de não recolher o ICMS após o julgamento de mérito da ADC 49. Estes contribuintes que tinham a seu favor liminares, acórdãos perderam a base legal e a segurança jurídica, pois em uma canetada indevida o STF privilegiou a conduta temerária e arbitrária dos Estados na arrecadação de tributo em operação que há muito se sabia não ser tributada e prejudicou contribuintes que tinham suas tuteladas deferidas com base da Súmula 166 e não tributavam as suas operações há pelo menos dois anos.
Qual a segurança jurídica que o STF impôs a estes contribuintes? Nota-se mais uma injustiça da Suprema Corte em apreço a fundamentos econômicos do Estados. Estes cavam diariamente a sua própria cova através de tributos sabidamente inconstitucionais, mas na hora do enterro pedem socorro ao STF. Este cenário se repetiu acerca da essencialidade da energia elétrica e comunicações, no Difal do e-commerce, entre outros.
É fácil no Brasil arrecadar tributos manifestamente inconstitucionais, cujo reconhecimento demora décadas pelo STF e este, quando assim reconhece, modula os efeitos para o futuro prestigiando condutas imorais dos Estados que fortalecem seus cofres e depois pedem socorro na modulação dos efeitos.
Observa-se praticamente todos os dias a instituição velada de empréstimos compulsórios pelos estados e união federal, mas que, diferentemente do que prevê a Constituição Federal, estes não são devolvidos aos contribuintes ou, quando são, isso ocorre para uma pequena maioria. Como mais uma pitada de saber, esta restituição ainda deve ser tributada pelo PIS e pela COFINS, como recém decidido pelo STJ. Inclusive, se houver depósitos judiciais, os rendimentos serão tributados pelo IR/CSLL.
Assim, não basta ter de pagar tributo inconstitucionais, a própria recuperação é onerada e parcela ainda fica para o Estado, sendo que a privação do capital no tempo não é remunerada e este sofre os efeitos da inflação.