No último dia 08 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal firmou seu entendimento sobre a coisa julgada no âmbito tributário, em uma decisão que repercutiu no mundo corporativo como mais um elemento da insegurança jurídica aos contribuintes. Mas o que de fato significa a decisão proferida nos Temas 881 e 885 de Repercussão Geral? E quais os seus efeitos práticos no dia a dia das empresas?
Para responder a estas perguntas que assombram o empresariado brasileiro, é preciso antes entender os casos analisados pela Corte.
Nesta oportunidade, o STF analisou a situação de duas empresas que possuíam decisões com trânsito em julgado (definitivas) para que deixassem de recolher Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) desde o início da década de 1990.
Entretanto, apesar do entendimento firmado nestas decisões, de que referido tributo seria inconstitucional, a CSLL foi posteriormente julgada constitucional pelo STF, no curso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 15, em 2007.
A partir deste contexto, discutiu-se agora a eficácia destas decisões com trânsito em julgado individual e que permitiam às empresas deixar de recolher CSLL, frente à declaração de constitucionalidade do tributo proferida pelo STF
Logo, havia um dilema:
Uma decisão favorável e definitiva (transitada em julgado) a uma empresa vale para sempre ou ela vale até que haja uma nova lei ou mudança de entendimento do STF?
A resposta é: uma decisão favorável a uma empresa dura enquanto o STF não disser o contrário, de forma ampla e geral para toda a sociedade.
Assim sendo, a Corte Suprema entendeu que as sentenças transitadas em julgado perdem seus efeitos imediatamente, se o STF mudar seu entendimento sobre a constitucionalidade dos tributos.
Portanto, a decisão do Tribunal significa que mesmo que os contribuintes possuam decisões que permitam o não recolhimento de forma definitiva de tributos pagos de forma continuada – isto é, aqueles que incidem reiteradamente – uma mudança de entendimento pelo STF sempre resultará no reestabelecimento da exigência.
Ocorre que alguns pontos deverão ser observados para compreender o impacto disto no dia a dia dos contribuintes.
Primeiramente, o STF não aplicou modulação aos efeitos de sua decisão sobre a coisa julgada no âmbito tributário. Isto significa que a mudança de entendimento da Corte sobre a constitucionalidade de um tributo resulta na perda dos efeitos das decisões mesmo nos casos anteriores ao julgamento dos Temas 881 e 885 de Repercussão Geral.
Segundamente, a Corte entendeu que, apesar disto, deverá ser respeitada a irretroatividade da incidência, ou seja, os tributos poderão ser exigidos somente a partir da decisão que os julgou constitucional.
No caso analisado pela Corte, por exemplo, a cobrança da CSLL terá como marco inicial de sua retomada o julgamento da ADI nº 15, que declarou a constitucionalidade do tributo, qual seja 2007.
Noutro giro, também deverão ser observadas as anterioridades anual e nonagesimal, conforme seja aplicável em cada caso. Desta forma, é como se a mudança de entendimento do STF criasse um novo tributo que poderá ser exigido a partir de noventa dias ou um ano de sua reinstituição (pela declaração de constitucionalidade).
Neste caso, a empresas que não pagavam CSLL devem recolher o tributo a partir de 2008. Em verdade, sabe que hoje esta cobrança estaria prescrita, contudo, dentro do prazo legal, a Fazenda Nacional pode exigir os valores desde 2018.
Na prática e para os demais casos, os contribuintes deverão analisar se possuem decisões judiciais que lhes permitem deixar de recolher algum imposto que foi posteriormente declarado constitucional pelo STF. Estas decisões perderam seus efeitos a partir da mudança de posicionamento da Corte sobre o tributo discutido nestas ações especificamente.
A partir desta primeira análise, o contribuinte não será obrigado a realizar qualquer recolhimento referente aos períodos anteriores à decisão que declarou a constitucionalidade da exigência, mas voltará a ser cobrado, desde que respeitada a anterioridade nonagesimal ou anual. Isto é, ele estará sujeito à cobrança a partir de noventa dias ou um ano contados da mudança de entendimento do STF sobre o tributo a ser exigido, dependendo do caso.
Exemplificativamente, O STF no julgamento do Tema 906 (IPI na revenda) estabeleceu que a cobrança do tributo é constitucional. Ocorre que até então, inclusive por entendimento do STJ, compreendia-se pela inconstitucionalidade do IPI, sendo que muitas empresas tinham decisões já com trânsito em julgado e estavam seguras de que suas operações estavam desoneradas do IPI.
Agora, com o novo entendimento do STF firmado em 2020, todos os contribuintes devem recolher o IPI na revenda de produtos importados, inclusive os que tinham decisões transitadas em julgado.
Ao estabelecer o recolhimento, os contribuintes e a Fazenda Nacional devem observar a anterioridade e a irretroatividade, o que significa que as cobranças não podem ser feitas quanto aos valores não recolhidos antes de 2020 e os valores pós julgamento apenas poderão ser exigidos a partir de 2021.
Portanto, os contribuintes que não recolheram o IPI a partir deste marco estão sujeitos à fiscalização federal. Tanto é que, agora se discutem medidas legislativas e acordos entre fisco e contribuintes para acomodar prejuízos e permitir que os contribuintes regularizem seus débitos.
Uma das propostas é que os contribuintes possam recolher os débitos sem multa e de forma parcelada.
Algumas propostas visam a instituir a “modulação de efeitos” que foi rejeitada pelo STF. Sabe-se que o entendimento agora firmado pegou toda a sociedade de surpresa, pois de um dia para o outro se esvaziou o instituto da coisa julgada, pilar mestre da Constituição Federal. Inclusive, o próprio STJ já havia deliberado que mesmo em situações de mudança de entendimento pela Suprema Corte, a coisa julgada haveria de ser respeitada, o que não se viu na prática.
Neste cenário, busca-se por meio legal a fixação de um marco futuro para que a ruptura da coisa julgada tenha efeitos práticos.
Não se discorda que o entendimento do STF traz isonomia, igualdade, uma justa e leal concorrência. Contudo, a partir do momento em que se desconsidera um entendimento transitado em julgado, seus efeitos apenas podem ser para o futuro e não afetar situações já constituídas em definitivo no passado.
Veja que a insegurança gerada afeta até operações societárias (M&A), pois as tratativas negociais podem ser impactadas em razão de ativos e passivos a serem constituídos anos e até décadas a frente, ao dissabor de uma mudança de entendimento da Suprema Corte, o que ocorre, como bem sabemos, quase que diariamente.
Enfim, estamos diante de mais um capítulo, dos mais gravosos, por sinal, da insegurança jurídica. Não bastava a sociedade estar à mercê de um vai e vem de posicionamentos entre STJ e STF, agora está ainda mais perdida com uma instabilidade que afeta situações constituídas a mais de uma década, como no caso da CSLL.
Diante deste sensível e impactante tema, para auxiliar a identificar a exposição de sua empresa diante deste entendimento do STF, que tem causado insegurança jurídica aos contribuintes, consulte a VVF! Nós podemos te ajudar!