1. O dilema de R$ 1 milhão
João Silva, empresário do setor de tecnologia, acumulou R$ 10 milhões em lucros não distribuídos em sua empresa ao longo dos últimos anos. Até novembro de 2025, esses valores poderiam ser distribuídos sem qualquer tributação na pessoa física. Agora, em dezembro de 2025, João enfrenta uma decisão crítica:
- Opção A: deliberar a distribuição até 31/12/2025 → Economia de R$ 1.000.000 em impostos.
- Opção B: esperar até janeiro/2026 → Custo adicional de até R$ 1.000.000 em IRRF.
Restam apenas 19 dias para uma decisão que pode impactar R$ 1 milhão. Este não é um caso isolado — milhares de empresários brasileiros enfrentam o mesmo dilema neste exato momento.
A Lei nº 15.270, sancionada em 27 de novembro de 2025, representa a maior transformação na tributação da renda no Brasil desde a Lei nº 9.249/1995. Não se trata de ajuste técnico: é uma mudança estrutural que encerra três décadas de isenção sobre dividendos e cria a janela de planejamento tributário mais urgente da história recente.
Impacto estimado: a nova tributação afetará diretamente mais de 500 mil empresas brasileiras e aproximadamente 2 milhões de pessoas físicas com renda anual superior a R$ 600 mil. O potencial de arrecadação é estimado em R$ 35 bilhões anuais a partir de 2026.
2. Visão geral da Reforma
2.1. Os três pilares da mudança
A reforma estrutura-se em três eixos fundamentais:
- Tributação de dividendos: IRRF de 10% sobre dividendos superiores a R$ 50.000/mês pagos a residentes no Brasil e sobre qualquer valor remetido ao exterior.
- Tributação mínima anual: alíquota efetiva de 10% para contribuintes com renda global superior a R$ 600.000/ano.
- Regras de transição: proteção para lucros acumulados até 2025, desde que deliberados até 31/12/2025 e pagos conforme cronograma aprovado.
2.2. Cronologia de implementação
| Data | Marco Legal |
| 27/11/2025 | Sanção presidencial da Lei 15.270/2025 (sem vetos) |
| 31/12/2025 | PRAZO FINAL para deliberação de lucros acumulados até 2025 com isenção |
| 01/01/2026 | Início da vigência: tributação de 10% sobre dividendos > R$ 50k/mês e remessas ao exterior |
| 31/12/2028 | Prazo final para pagamento de lucros deliberados até 31/12/2025 mantendo isenção (residentes Brasil) |
2.3. Comparativo: Antes vs. Depois
| Situação | Até 2025 | A partir de 2026 |
| Dividendos até R$ 50k/mês | Isento | Isento |
| Dividendos > R$ 50k/mês | Isento | IRRF 10% |
| Renda anual > R$ 600k | Progressivo | Mínimo 10% |
| Remessa de dividendos ao exterior | Isento | IRRF 10% |
3. Tributação de residentes no Brasil
3.1. Nova tabela do IRPF (simplificação para três faixas)
A Lei institui nova tabela com fatores redutores mensais, vigente a partir de janeiro de 2026, que simplifica o IRPF para três faixas efetivas de tributação: 0%, 22,5% e 27,5%.
| Faixa de renda mensal | Alíquota efetiva | Situação |
| Até R$ 5.000 | 0% | Isento |
| R$ 5.001 a R$ 7.350 | 22,5% | Com redutores |
| Acima de R$ 7.350 | 27,5% | Alíquota máxima |
Base anual: fatores redutores anuais garantem isenção para rendimentos tributáveis de até R$ 60.000/ano. Rendimentos entre R$ 60.001 e R$ 88.200 contam com redutores decrescentes. Acima de R$ 88.200, aplica-se integralmente a tabela progressiva anual.
3.2. Tributação mensal das altas rendas (IRRF sobre dividendos)
A partir de janeiro de 2026, incide IRRF à alíquota de 10% sobre lucros e dividendos pagos a pessoas físicas residentes no Brasil quando os valores ultrapassarem R$ 50.000 no mês.
Regras operacionais:
- Retenção efetuada pela empresa pagadora
- Não admite deduções na base de cálculo
- Múltiplos pagamentos no mesmo mês: recalcular IRRF considerando o total
- Valores retidos compensáveis na apuração anual do IRPF (antecipação, não tributação exclusiva)
3.3. Tributação anual mínima (renda global > R$ 600 mil)
A partir de 2026, contribuintes residentes no Brasil com renda global acima de determinados patamares ficam sujeitos a tributação mínima:
| Faixa de renda anual | Tributação mínima |
| Até R$ 600.000 | Sem tributação mínima |
| R$ 600.001 a R$ 1.200.000 | Até 10% |
| Acima de R$ 1.200.000 | 10% integral |
Composição da renda global: inclui remuneração pelo trabalho, lucros distribuídos, pró-labore, receitas de aluguel e demais ingressos tributáveis.
Exclusões importantes (não integram a base):
- Ganhos de capital (exceto operações em bolsa/mercado de balcão apurados com base no ganho líquido).
- Rendimentos recebidos acumuladamente e tributados exclusivamente na fonte.
- Remuneração de LCI, CRI, LIG, LCD, Letra Hipotecária e instrumentos de investimento/infraestrutura.
- Adiantamento de legítima ou herança.
- Parcela isenta de IRPF relativa à atividade rural.
3.4. O redutor do Art. 16-B (mecanismo antibitributação – teto de 34%)
A legislação estabelece mecanismo de neutralização para evitar bitributação excessiva sobre lucros e dividendos. Se a alíquota efetiva da pessoa jurídica, somada à incidência devida pela pessoa física, ultrapassar 34%, o imposto devido na PF deve ser reduzido proporcionalmente.
Lógica do mecanismo: inspirado em tratados internacionais para evitar dupla tributação. Embora a operacionalização dependa de regulamentação da Receita Federal, o texto legal já delineia fórmula de compensação automática.
Quando o redutor se aplica: empresas com alíquotas efetivas reduzidas por incentivos fiscais (equivalência patrimonial, SUDENE/SUDAM, créditos presumidos, Lei do Bem, PAT, prejuízos fiscais) geralmente não acionam o redutor. O redutor é relevante para empresas com alta carga efetiva de IRPJ/CSLL.
EXEMPLO PRÁTICO:
Empresa Industrial XYZ – Aplicação do Redutor
Cenário A: Alíquota Efetiva da PJ = 14% • IRPJ/CSLL: 14% • IRRF dividendos: 10% • Carga combinada: 24% • Situação: 24% < 34% → SEM aplicação do redutor
Cenário B: Alíquota Efetiva da PJ = 30% • IRPJ/CSLL: 30% • IRRF dividendos: 10% • Carga combinada: 40% • Situação: 40% > 34% → COM aplicação do redutor
Cálculo do redutor: • Excesso: 40% – 34% = 6 pontos percentuais • Distribuição: R$ 1.000.000 • IRRF original: R$ 100.000 (10%) • Redução: R$ 60.000 (6%) • IRRF final: R$ 40.000 (4%) • Economia: R$ 60.000
4. Tributação de não residentes
4.1. IRRF de 10% em remessas ao exterior
Qualquer pagamento, crédito, entrega, utilização ou remessa de lucros e dividendos a beneficiários estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas) passa a estar sujeito ao IRRF de 10%, independentemente do valor ou jurisdição de residência.
Características:
- Tributação autônoma (não gera abatimento de IRPJ/CSLL da distribuidora).
- Compatível com tratados internacionais (que tradicionalmente autorizam até 15%).
- Acordos recentes já adotam 10% expressamente.
4.2. Exceções importantes
Não haverá retenção quando os dividendos forem destinados a:
- Entidades de previdência ou aposentadoria no exterior (critérios dependem de regulamentação).
- Determinados governos estrangeiros.
- Fundos soberanos (conforme definição legal).
4.3. Regra de transição para não residentes
Embora o texto legal não seja tecnicamente claro, a interpretação sistemática sugere que a tributação não alcança resultados gerados até 2025, desde que:
- A distribuição tenha sido formalmente aprovada até 31/12/2025.
- Observem-se as regras societárias e civis aplicáveis.
- O pagamento ocorra conforme previsto no ato societário.
Observação: para residentes no Brasil, a proteção permite pagamento até 31/12/2028. Pelo princípio constitucional da não discriminação, interpretação razoável sugere mesma lógica para exterior, mas não se descarta leitura mais restritiva da administração tributária.
4.4. Crédito fiscal opcional para investidores estrangeiros
A legislação introduz mecanismo específico: sempre que a carga fiscal total sobre rendimentos ultrapassar a alíquota nominal aplicável, o beneficiário não residente pode utilizar crédito fiscal opcional.
Impacto: a tributação mínima para não residentes excede a CSLL Adicional (QDMTT) de 15%. Cria-se patamar mínimo que começa em aproximadamente 25% e pode alcançar 34%, 40% ou até 45%, dependendo da estrutura de investimentos e tipo de renda. O crédito opcional suaviza casos de ultrapassagem de referenciais nominais.
5. Janela de oportunidade: lucros até 2025
5.1. A regra de transição crítica
A regra mais importante para planejamento imediato: a nova tributação NÃO alcança lucros e dividendos correspondentes a resultados apurados até o exercício de 2025, desde que:
- A deliberação societária aprovando a distribuição tenha ocorrido até 31/12/2025.
- Os pagamentos sejam efetuados conforme prazos e condições previstos nessa deliberação.
- Para residentes no Brasil: disponibilização financeira pode ocorrer entre 2026 e 2028.
5.2. Passo a passo: como deliberar até 31/12/2025
Checklist para garantir a proteção transitória:
- Apurar lucros acumulados: solicitar ao contador balanço patrimonial atualizado até 30/11 ou 15/12/2025 com saldo de lucros/reservas de lucros disponível.
- Simular impacto tributário: calcular quanto custaria distribuir em 2026 vs. proteger em 2025.
- Convocar AGE/reunião de quotistas: prazo mínimo de convocação conforme estatuto/contrato social (geralmente 8-15 dias). URGENTE: convocar ainda em dezembro!
- Deliberar formalmente: aprovar distribuição em ata até 31/12/2025, especificando: (a) valor total, (b) cronograma de pagamento (pode ser parcelado até 2028), (c) percentual por sócio.
- Documentar adequadamente: lavrar ata detalhada, com assinaturas de todos os sócios. Registrar na Junta Comercial se necessário.
- Cumprir cronograma aprovado: efetuar pagamentos exatamente conforme deliberado. Alterações posteriores podem comprometer a proteção.
5.3. Armadilhas a evitar
- Ata genérica: não aprovar “distribuição de dividendos” sem especificar valores e datas. A proteção exige deliberação específica.
- Deliberação verbal: acordo informal entre sócios não vale. É necessária ata formal.
- Alterar cronograma depois: mudanças no cronograma de pagamento aprovado em 2025 podem invalidar a proteção.
- Misturar lucros 2025 com 2026+: distribuições em 2026 devem segregar claramente: (a) lucros deliberados até 31/12/2025 (isentos), (b) lucros de 2026 (tributáveis).
6. Estratégias de planejamento tributário
6.1. JCP vs. dividendos: nova análise comparativa
A partir de 2026, a escolha entre Juros sobre Capital Próprio (JCP) e dividendos ganha nova dimensão estratégica:
| Fator | JCP | Dividendos |
| IRRF na PF | 15% | 10% (se > R$ 50k/mês) |
| Dedutível na PJ | ✓ SIM | ✗ NÃO |
| Limite | Taxa TJLP limitada a 50% dos lucros acumulados ou do exercício | Ilimitado |
| Complexidade | Média | Baixa |
| Melhor quando | PJ com lucro alto E sócios com renda < R$ 600k/ano | Distribuições pequenas OU PJ com baixa tributação efetiva |
6.2. Uso de holdings: quando faz sentido
A tributação proposta recai sobre dividendos destinados a pessoas físicas e investidores no exterior. Distribuições dentro da cadeia de pessoas jurídicas no Brasil tendem a manter tratamento favorecido.
Vantagens da holding:
- Diferimento de tributação: lucros podem acumular na holding sem distribuição imediata à PF, postergando o IRRF de 10%.
- Escalonamento estratégico: distribuir da holding para PF de forma parcelada, mantendo-se dentro do limite de R$ 50.000/mês (isenção).
- Gestão da tributação mínima: evitar ultrapassar R$ 600.000/ano de renda global através de distribuições controladas.
- Planejamento sucessório: facilitar doação de quotas da holding com benefícios fiscais.
Quando NÃO usar holding:
- Distribuições pequenas (< R$ 50k/mês): não há benefício fiscal.
- Necessidade imediata de caixa pelos sócios: holding adia mas não elimina a tributação.
- Custos operacionais elevados vs. benefício tributário reduzido.
7. Checklist necessário ainda este ano (dezembro 2025)
Para empresas e sócios:
- Apurar lucros acumulados até 31/12/2025 (solicitar balanço ao contador)
- Simular impacto da nova tributação (comparar deliberar em 2025 vs. esperar 2026)
- Comparar cenários JCP vs. Dividendos para distribuições futuras
- Avaliar estrutura de holding (faz sentido para seu caso?)
- Convocar AGE/Reunião de Sócios (ainda em dezembro, respeitando prazo de convocação)
- Deliberar distribuição de lucros 2025 até 31/12/2025 (com cronograma definido)
- Documentar deliberação adequadamente (ata detalhada + assinaturas)
- Revisar política de distribuição de dividendos para 2026+
- Consultar assessoria jurídica/tributária especializada
Para investidores estrangeiros:
- Avaliar impacto nas estruturas internacionais
- Revisar tratados internacionais aplicáveis
- Considerar deliberação até 31/12/2025 (embora regra não seja cristalina para exterior)
- Documentar robustamente decisões societárias
8. Conclusão: transformação estrutural exige ação imediata
A Lei 15.270/2025 não é ajuste pontual — é a maior transformação na tributação da renda no Brasil desde a criação do Plano Real. O fim da isenção sobre dividendos, vigente há três décadas, redesenha completamente o planejamento tributário de empresas e pessoas físicas de alta renda.
Os números são claros: distribuir R$ 10 milhões em janeiro de 2026 custará até R$ 1 milhão a mais do que deliberar essa mesma distribuição em dezembro de 2025. Para milhares de empresários brasileiros, a diferença entre agir agora ou esperar algumas semanas pode representar economia de centenas de milhares — ou milhões — de reais.
Três pontos críticos demandam atenção imediata:
- Janela de oportunidade fechando: restam poucos dias para deliberar distribuição de lucros acumulados até 2025 com isenção completa. Após 31/12/2025, qualquer distribuição sofrerá a nova tributação.
- Planejamento não é opcional: a escolha entre JCP e dividendos, o uso de holdings, o escalonamento de distribuições e a gestão da tributação mínima anual deixam de ser detalhes contábeis e passam a representar diferenças materiais de carga tributária.
- Complexidade exige assessoria especializada: o redutor do art. 16-B, o crédito fiscal opcional para não residentes, as regras de transição e as interações com tratados internacionais criam camadas de complexidade que exigem análise técnica rigorosa.
Não existe solução única aplicável a todas as empresas. Cada caso demanda análise específica, considerando características societárias, perfil dos sócios, estrutura patrimonial, alíquota efetiva de IRPJ/CSLL e objetivos de longo prazo.
O momento é de ação, não de observação. Empresas e sócios que se anteciparem às mudanças, reorganizando suas estruturas e aproveitando a proteção transitória, economizarão significativamente. Aqueles que aguardarem passivamente a chegada de 2026 pagarão o preço — literalmente — de sua inércia.
***
Na VVF, transformamos conhecimento tributário em valor concreto para nossos clientes. Nossa equipe especializada está pronta para auxiliar na análise da situação específica da sua empresa, simulação de cenários tributários, estruturação de holdings, deliberação de lucros acumulados e planejamento estratégico para 2026 e anos seguintes.
Em caso de dúvidas, podemos ajudar — na VVF, transformamos conhecimento em valor.




