O governo do Estado de São Paulo, em 15 de outubro de 2020, aprovou a Lei nº 17.293/2020 instituída com o objetivo de autorizar mudanças e reduções de benefícios fiscais vigentes no Estado. Por meio desta lei, ficou o Poder Executivo autorizado a renovar os benefícios fiscais que estejam em vigor atualmente, desde que previstos na legislação orçamentária e atendidos os pressupostos da Lei Complementar federal nº 101/00, bem como foi autorizado a redução de benefícios fiscais e financeirosfiscais relacionados ao ICMS, com supedâneo no Convênio CONFAZ nº 42/16.
Importante destacar que o Estado de São Paulo equiparou a benefício fiscal qualquer operação realizada com alíquota inferior a 18% (alíquota interna para a maior parte dos produtos).
Destaca-se que o Convênio nº 42/2016 referido na nova lei permite que Estados concedam incentivos e benefícios fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros e adotem como condição o (i) depósito pelos contribuintes de no mínimo 10% do benefício recebido em fundo de desenvolvimento econômico e ou de equilíbrio fiscal; (ii) ou reduzam o benefício concedido em no mínimo 10%. Este cenário de redução de benefício é que se materializa por meio da Lei nº 17.293/2020.
No fito de regulamentar e dar aplicabilidade a referida lei, foram editados os Decretos nº 65.252, 65.253, 65.254 e 65.25, todos publicados em 16.10.2020, para disciplinar o tratamento tributário de benefícios fiscais já existentes.
O Decreto nº 65.252 limita a 31/12/2020 o prazo final de vigência de benefícios fiscais, tais como isenções, reduções de base de cálculo e créditos outorgados diversos previstos no Anexo I, II e III do RICMS/SP. Já o Decreto nº 65.253 estabelece a majoração de alíquotas do ICMS em combustíveis.
Os Decreto nº 65.254 e 65.255, os mais relevantes para o setor agropecuário, estabelecem, em relação a benefícios fiscais diversos (isenções, reduções de base de cálculo e créditos outorgados):
(i) redução de benefícios fiscais (redução do percentual de aplicação dos benefícios);
(ii) prazo de início e final de vigência de benefícios fiscais como 01.01.2021 e 31.12.2022;
(iii) condições para a fruição dos benefícios fiscais, em especial aprovação da prorrogação pelo
CONFAZ.
Estes dois últimos decretos publicados pelo Estado de São Paulo promoveram severas mudanças em relação aos produtos agropecuários notadamente nas operações envolvendo fertilizantes, rações, defensivos/insumos agrícolas e sementes, de forma que não é exagero dizer que estamos diante de uma mini reforma do ICMS no Estado de São Paulo.
Neste cenário, analisaremos as legislações supracitadas com especial observância nas alterações promovidas no art. 41, do Anexo I e nos artigos 9º e 10º do Anexo II, todos do Regulamento do ICMS, que versam sobre benefícios fiscais relativos a produtos agropecuários.
Registra-se que até a edição da Lei nº 17.293/2020 e dos Decretos nº 65.255/2020 e 65.254/2020, as isenções previstas no art. 41, Anexo I, e as reduções de base de cálculo contidas nos artigos 9º e 10º do Anexo II, eram suportadas, tal qual ocorre com os demais Estados da federação, nas disposições contidas no Convênio ICMS 100/1997.
É de pacífico conhecimento daqueles que lidam com direito tributário, em especial para aqueles ligados à cadeia do agronegócio, que o Convênio 100 de 1997 é uma norma importante no ordenamento jurídico nacional, pois dispõe sobre relevantes benefícios fiscais para o setor do agronegócio.
Sob as balizas deste convênio, todos os Estados instituíram benefícios fiscais perfazendo um verdadeiro sistema harmônico de tributação do agronegócio, ensejando coerência e igualdade tributária entre todos os entes da federação.
Referido convênio, que expira em 31.12.2020, prevê a isenção tributária em operações internas e reduz a cobrança do ICMS na comercialização interestadual de insumos agropecuários, tal como ocorre nas vendas de fertilizantes e rações, em que há uma redução de 30%, bem como aquelas com defensivos agrícolas e sementes, cujo benefício impõe uma redução de 60% na base de cálculo.
Desde sua edição, sempre que o final da vigência se aproxima, inicia-se a discussão sobre renovação ou não do Convênio, que desde 1997, quando de sua publicação, tem sido periodicamente renovado. Ocorre que em razão do desiquilíbrio fiscal que atinge União, Estados e Municípios, nota-se a tendência de os Estados forçarem uma mudança na concessão de benefícios, como se o Agro tivesse a responsabilidade por parte dessa conta.
É neste contexto que o Estado de São Paulo publica a Lei nº17.293/2020 e os respectivos Decretos, que mexem com a estrutura dos benefícios concedidos pelo Convênio ICMS 100/97, no escopo de limitar as isenções e reduções de base de cálculo, majorando assim a sua arrecadação tributária.
Vejamos algumas limitações relevantes para o setor agrícola.
- Anexo I – Isenções – Artigo 41 (Insumos Agropecuários, Adubos e Rações):
Até este momento (leia-se até 31/12/2020) na comercialização dos produtos que constam no art. 41 do Anexo I do RICMS/SP, há plena isenção nas operações praticadas dentro do Estado de São Paulo.
Ocorre que a partir da edição do Decreto nº 65.254/2020, que passa a vigorar a partir de 1º de janeiro de
2021, a isenção contida no art. 41 do Anexo I do RICMS/SP deixará de ser total e passará a ser parcial,
de acordo com cada produto e sua respectiva alíquota interna.
Nos termos do art. 2º, “b” do Decreto nº 65.254/2020, que acrescentou o § 6º ao art. 41 do Anexo I do RICMS/SP, nas operações internas com produtos cuja alíquota ordinária seja de 18% haverá uma isenção equivalente a 77%. Assim, para fertilizantes, rações, defensivos agrícolas e sementes, a isenção que antes era plena, integral, agora passará a ser uma operação tributada na alíquota efetiva de 4,14% (quatro virgula quatorze por cento).
Considerando que na importação, o ICMS-Importação segue a mesma isenção prevista para operação interna, a partir de 2021 os contribuintes passarão também a ser onerados com a alíquota de 4,14% para tais produtos no desembaraço aduaneiro.
- Anexo II – Redução de Base de Cálculo – Artigos 9º e 10º (Insumos Agropecuários, Adubos e Rações):
Em linha com o quanto exposto acima, alterações profundas também se deram no âmbito das operações interestaduais com rações, defensivos agrícolas e sementes, nas quais há redução de base de cálculo nos
termos dos artigos 9º e 10º, Anexo II do RICMS/SP.
Antes das alterações legais promovidas, em especial pelo Decreto nº 65.254/2020, as operações realizadas entre Estados gozavam de reduções nas bases de cálculo do ICMS, que ficavam reduzidas em 30% para fertilizantes e rações e em 60% para defensivos agrícolas e sementes.
Entretanto, nos termos da nova legislação, a partir de 1º de janeiro de 2021, as bases de cálculo serão reduzidas em 23,8% para fertilizantes e rações e em 47,2% para defensivos agrícolas e sementes. Dessa forma, as empresas que comercializam tais produtos terão suas bases de cálculo diretamente impactadas, na medida que a redução do benefício acabará por elevar a carga tributária final.
A título de comparação, nas saídas interestaduais com ICMS de 12%, a carga efetiva era de 8,4% ou 4,8% a depender do produto (fertilizantes, ração animal, defensivo ou sementes). Agora, com a nova legislação, a carga irá para 9,14% e 6,33%, respectivamente, apresentando um aumento efetivo de quase 9% e 32% também respectivamente.
Todo este contexto sinaliza um aumento de carga tributária, que passa a ser instituída por meio de decretos, cuja legitimidade já é questionada.
Por derradeiro, vale ressaltar que foi mantida a disposição legal que permite a manutenção integral dos créditos, mesmo cujas saídas sejam beneficiadas com a redução da base de cálculo.
- Demais Aspectos:
Em que pese os benefícios supracitados terem o prazo de vigência entre 1º/01/2020 até 31/12/2022, importante ter em mente que o Convênio ICMS 100/1997 está vigente até 31/12/2020, embora usualmente venha sendo prorrogado desde sua edição, em 1997.
Assim, caso o referido benefício venha a ser renovado, poderá haver um conflito com a lei paulista, afinal o Convênio é uma norma produzida a partir da vontade unânime de todos os Estados da Federação, representados pelos seus Secretários de Fazenda, que nos termos atuais contraria a legislação paulista, cujo teor é de cunho nitidamente restritivo.
Impende destacar que, nos termos do art. 4º do Decreto nº 65.254/2020, a prorrogação dos benefícios até 31.12.2022 fica condicionada à aprovação de convênio no âmbito do Conselho Nacional da Política Fazendária – CONFAZ, autorizando tal prorrogação.
Neste passo, ainda que limitante a norma paulista, ela já amplia o prazo de vigência dos benefícios fiscais até 2022. Sob esta ótica, espera-se que haja a prorrogação do Convênio nº 100/1997.
De todo o exposto, é certo que vivemos mais um capítulo da malsinada insegurança jurídica tributária que afeta (negativamente) todos que participam da economia nacional, pois, estamos em outubro e ainda não há clareza sobre qual a regra tributária estará vigente para o ano seguinte.
No mais, outra dúvida a ser enfrentada é sobre efetividade do Decreto nº 65.254/2020, pois mesmo que o Convênio ICMS 100/1997 seja prorrogado, o Estado de São Paulo reduziu os benefícios fiscais nele dispostos, afetando, assim, a autorização outorgada pelo CONFAZ. Esclarece-se que o Convênio nº 100/1997, na redação vigente, não diz que o Estado pode reduzir o benefício ATÉ um determinado valor percentual, mas sim EM um valor percentual.
Nesta linha, importante analisar o disposto no art. 111 do Código Tributário Nacional, que exige uma interpretação literal das normas que versem sobre isenções. Em se mantendo as disposições no formato atual, tende a se verificar um novo (e totalmente desnecessário) capítulo da Guerra Fiscal do ICMS, agora sob o manto dos produtos agrícolas.
Prova de que se estará construindo um novo embate entre Fisco e Contribuintes é a recém ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade pela FIESP junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
A entidade estatui que as alterações contidas nos decretos paulistas ofendem o Princípio da Legalidade, pois qualquer revogação de isenções deveria ocorrer por meio de lei, em sentido estrito, e não atos do Poder Executivo. Neste passo, a autorização prevista na Lei n° 17.293/2020 não é hábil a conceder um cheque em branco para que o governo paulista altere as alíquotas do ICMS a seu bel prazer, tal como se fosse um tributo com características extrafiscais, como ocorre com o IPI, Imposto de Importação e Exportação.
Neste contexto, ainda não se sabe se a legislação publicada pelo Estado paulista se manterá vigente, tampouco se encontrará guarida pela prorrogação do Convênio nº 100/1997. Diante deste cenário de incertezas que afeta todo o segmento Agro do país, a VVF Consultores Tributários manterá clientes e parceiros atualizados sobre o cenário dos benefícios fiscais em âmbito nacional e sempre à disposição para encontrar a melhor solução jurídica.