Com a assinatura do Acordo de Paris em 2015, o Brasil se comprometeu a cumprir uma série de metas sustentáveis como a maior participação de biocombustíveis na matriz energética nacional. Para alcançá-las, o País instituiu por meio da Lei nº 13.756/17 a Política Nacional de Combustíveis (RenovaBio), que deu origem ao mercado de um novo crédito de descarbonização, o CBIO.
De maneira didática, as produtoras e importadoras de biocombustíveis credenciadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) têm direito aos créditos CBIO proporcionalmente à quantidade de gases de efeito estufa (GEE) que deixou de ser emitida com a inserção de seu produto no mercado.
Esses créditos, ao contrário do que ocorre com os tradicionais créditos de carbono (CER) que são depositados junto ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, são escriturados por instituições financeiras e comercializados na Bolsa de Valores (B3).
Em contrapartida ao benefício dado às importadoras e produtoras, o programa impôs às distribuidoras de combustíveis metas de participação na renovação da matriz energética que são comprovadas com a titularidade desses créditos em suas carteiras, transformando-as em compradoras compulsórias do CBIO.
À parte deste mercado criado entre importadoras, produtoras e distribuidoras, é possível ainda que outras empresas participem do comércio de CBIO de maneira voluntária, explorando sua valorização.
Em que pese a louvável atitude do Estado, a legislação disponível é omissa em vários pontos, em especial quanto aos aspectos contábeis e tributários das operações de compra e venda destes créditos, o que ainda dificulta a adesão ao mercado voluntário de CBIOs.
Mesmo com as alterações trazidas pela Lei n. 13.986/2020, que sujeitou a receita originada por essas operações a uma retenção de imposto de renda na fonte com alíquota de 15%, não há disposição legal que demonstre a sua verdadeira natureza jurídica, levando assim aos participantes do mercado insegurança acerca da sua classificação contábil e da sua tributação, em especial quanto ao PIS e à COFINS.
Assim sendo, ocorre na prática que as produtoras e as importadoras de biocombustíveis, têm por procedimento alocar estes créditos de descarbonização em conta de estoque, em conjunto ao produto que lhe deu origem, ali permanecendo até o momento de sua liquidação. Esta prática tem sentido para estas empresas, uma vez que ao analisarmos a essência da operação praticada por elas, vemos que o crédito de CBIO decorre naturalmente de sua atividade-fim. Bem por isso, é compreensível que sejam tratados como receitas operacionais e, portanto, sujeitas além da tributação de 15% na fonte, à carga tributária combinada de 9,25% de PIS e COFINS.
Entretanto, esse modelo amplamente propagado no mercado para usinas e importadoras, pode não se aplicar às empresas que participam voluntariamente do mercado de CBIO. Ao nosso ver, não necessariamente os créditos de descarbonização fazem parte da atividade operacional destes participantes da cadeia comercial, uma vez que eles podem nem pertencer ao setor de biocombustíveis.
Então, qual o tratamento tributário e contábil para esse ativo deverá ser dado no caso de empresas que participam voluntariamente do mercado de CBIO?
Se rememorarmos que um dos princípios primordiais da contabilidade é que a essência deverá prevalecer sobre a forma, perceberemos que é necessário um olhar especial para o propósito com que estas empresas adentram o mercado voluntariamente. Neste sentido, o propósito almejado é claramente a obtenção de lucro com a comercialização de tais créditos na Bolsa de Valores (B3).
Neste contexto, há a aquisição de um ativo, sem existência corpórea, cujo valor de liquidação é variável e no qual a empresa almeja obter lucro. Dessa forma, em nossa visão esse ativo passa a ser compreendido como um ativo financeiro nos termos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 39.
Ademais, o programa também determina que a escrituração do CBIO será feita por uma instituição financeira que será responsável por registrar toda sequência de trocas de titularidade sobre os créditos. Assim sendo, há perfeita adequação destes créditos de descarbonização à Resolução nº 4.593/17 do Banco Central, que dispõe sobre o registro e depósito de ativos financeiros, uma vez que tal norma dispõe que esses ativos são aqueles admitidos na carteira das instituições financeiras, bem como escriturados ou custodiados por estas (caso do CBIO).
Diante deste cenário, são fortes os argumentos de que os Créditos CBIO possuem naturezas distintas quando contabilizados por produtoras e importadores de biocombustíveis, e quando contabilizados por empresas que participam do mercado voluntariamente.
Percebemos, portanto, que quando a titularidade destes créditos decorre de sua aquisição no ambiente da Bolsa de Valores, e não como contrapartida da produção ou importação de biocombustíveis, a sua classificação contábil não poderá ocorrer dentro do estoque da empresa, como fazem os participantes “naturais” do mercado.
É necessário, por atenção às normas de contabilidade e pela essência da operação que deu origem a esta titularidade, lançá-los como ativos financeiros circulantes ou não circulantes a depender de sua realização, sendo que seu reconhecimento será pelo valor justo, deduzido de perdas por redução ao valor recuperável (impairment).
Por este mesmo raciocínio, quando seguimos para as consequências tributárias, não podemos considerar que o CBIO seja receita operacional para as empresas que participam voluntariamente de seu mercado. Deste modo, em decorrência de sua classificação contábil, entendemos que a receita auferida com a liquidação do CBIO deverá ser tratada como financeira, sujeita à carga tributária combinada de 4,65% de PIS e COFINS para empresas do Lucro Real.
Além disso, a tributação para o imposto de renda permanece a mesma aplicada aos produtores de biocombustíveis, ou seja, imposto de renda na fonte com alíquota de 15% com posterior exclusão dessas receitas para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados na sistemática do lucro real e lucro presumido.
Diante de todo o exposto, podemos sintetizar que a ausência de legislação expressa sobre o tema aqui explorado permite que as consequências contábeis da titularidade do CBIO e, a tributação da receita auferida com sua liquidação sejam diferentes para cada participante desse mercado, conforme sintetizado no quadro abaixo.
Critério | Produtoras e Importadoras | Empresas Diversas |
Origem | Produção e importação de biocombustíveis | Compra na Bolsa de Valores |
Contabilização | Estoque | Ativo Financeiro |
Tipo de Receita | Operacional | Financeira |
PIS/COFINS | 9,25% | 4,65% |
IRPJ/CSLL | 15% | 15% |
Escrito por Adriano Venturini e João Marcelo Bovo.