A forma com que as empresas e clientes se relacionam tem evoluído diariamente e muito em razão do impulso que os avanços tecnológicos trouxeram. Acompanhar esse movimento tem sido algo quase impossível para o Direito Tributário, pois é inegável que nossas leis atuais não conseguem, nem de perto, acompanhar as evoluções reais na velocidade que estão acontecendo.
Grandes empresas como Magazine Luiza, Amazon e Mercado Livre tem investido muito em multicanalidade e omnicanalidade, além do que tais empresas estão focadas na expansão contínua do marketplace e, com isso, caminhando a passos largos para se tornarem grandes plataformas através dos SuperApp.
Ocorre que o atual sistema tributário brasileiro apresenta desafios gigantes para tais ambições, razão pela qual algumas mudanças são urgentes e devem ser feitas.
Enquanto a multicanalidade é a disponibilização de uma série de canais de vendas para os clientes, a omnicanalidade, por sua vez, é a integração de todos os canais de venda e de contatos disponíveis por uma empresa, através da qual é possível oferecer a mesma experiência de compra para o cliente em qualquer um dos canais de interação com a empresa, seja online ou offline.
A integração de canais já é uma realidade em diversos países e se revela uma tendência para o varejo global. Há diversas modalidades, dentre as quais se destacam:
- Pick up in store: o cliente adquire a mercadoria pela internet e a retira em um estabelecimento físico do vendedor mais próximo;
- Ship from store: o consumidor adquire a mercadoria pela internet, o estabelecimento físico mais próximo atende ao pedido e remete a mercadoria até o local indicado pelo consumidor;
- Click & collect: o consumidor adquire a mercadoria pela internet e a mesma é remetida a um ponto de retirada (pick up point), no qual o cliente se dirige para buscar seu produto.
A criação de tais estratégias vem ao encontro das maiores necessidades dos clientes hoje em dia: rapidez na entrega e boa experiência do usuário (user experience).
Ocorre que há um ponto delicado nessa equação: a “logística reversa”. Como nas vendas online há o direito de arrependimento, o cliente pode cancelar, trocar ou devolver a mercadoria dentro do prazo legal. Em razão disso, a “logística reversa” ganha cada vez mais destaque e talvez seja, do ponto de vista tributário, a parte mais desafiadora para as estratégias de omnicanalidade das empresas, uma vez que o cumprimento das obrigações tributárias é demasiadamente complexo e peculiar.
Em tese, com a omnicanalidade é possível que um cliente inicie uma compra através do website da empresa, tire dúvidas do produto desejado no webchat, encaminhe seus documentos por e-mail, insira seus dados de cartão de crédito com segurança, finalize a compra eletronicamente e, se o produto não for adequado ou se tiver necessidade de trocá-lo, pode fazê-lo no estabelecimento mais próximo a ele, isso tudo de forma contínua e sem amarras burocráticas.
Ocorre que se, no formato atual, a devolução for feita em estabelecimento distinto daquele vendedor, há problemas com a apropriação do crédito de ICMS para anular a venda, especialmente se for em outra unidade da federação (UF). Ainda que o Estado de São Paulo tenha manifestado seu entendimento em algumas Consultas de que a mercadoria pode ser devolvida em qualquer estabelecimento do contribuinte em seu território, uma empresa com operação eletrônica atual, em âmbito nacional, terá de operar com saídas e devoluções de produtos por distintos Estados, o que exige uma normatização em âmbito federal, a fim de que não se gere mais um capítulo de guerra fiscal.
Haveria um notório ganho de eficiência e financeiro se o cliente pudesse devolver ou até mesmo trocar a mercadoria na loja mais próxima, independentemente de ter sido o estabelecimento vendedor, pois, com isso, sua experiência seria satisfatória, seu problema resolvido de forma rápida e a loja poderia vender o produto devolvido para outro cliente. Bastaria o correto ajuste sistêmico nos estoques e não haveria qualquer prejuízo neste sentido.
Todavia, no formato atual, para que o cliente proceda com a devolução, é necessário que ele vá até os Correios, devolva a mercadoria para o endereço do remetente, aguarde o recebimento e conferência, para somente após à aprovação vir a ter direito ao crédito ou à troca do produto. Nesse meio tempo, o cliente pode, simplesmente, desistir da compra prejudicando não só a empresa, como o Estado, que perderia a arrecadação.
Um dos grandes entraves do sistema tributário brasileiro é o ICMS, pois na prática temos “27 ICMS”. É um desafio desumano para as empresas lidarem com isso.
Enquanto uma ampla e profunda reforma não ganha tração no Congresso Nacional, de modo a simplificar essa tortuosa sistemática, há um projeto de lei que pode ajudar. Através do Projeto de Lei Complementar nº 148/2019, de relatoria do Deputado Enrico Misasi, pretende-se flexibilizar e melhorar algumas regras do ICMS no comércio eletrônico e, dentre os principais pontos, destaca-se a melhoria no procedimento de “logística reversa”. Ainda que não seja o cenário ideal, através do art. 20-A do projeto de lei será possível a devolução em qualquer estabelecimento do contribuinte, ficando garantido o direito de crédito ao estabelecimento vendedor, em respeito ao Princípio da Não-Cumulatividade.
Com sistemas cada vez mais modernos e avançados, controle e gestão de estoque em nível nacional já é possível e cabe ao Direito Tributário, enquanto ciência que cuida da relação entre Estado e Contribuinte, entender as novas realidades das relações comerciais e possibilitar que isso ocorra da melhor forma possível, pois o avanço do comércio eletrônico tem um enorme potencial de contribuir com o aumento da receita tributária dos entes públicos. Para tanto, precisamos que nossos legisladores comecem a dar mais atenção ao tema, seja através de uma ampla e maciça reforma tributária (PEC 45/2019), seja com aprovação mais rápida de projetos de lei como o PLC 148/2019.