Em 3 de outubro de 2024, foi publicada a Medida Provisória nº 1.262/24, que instituiu o Adicional da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL). A finalidade do adicional é estabelecer uma tributação mínima efetiva de 15% (quinze por cento) sobre as entidades integrantes de grupo multinacional que, em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao ano corrente, tenham registrado receitas anuais de 750 milhões de euros nas demonstrações financeiras consolidadas da investidora final.
O Adicional da CSLL será devido pelas entidades do grupo multinacional situadas no Brasil, com prazo para recolhimento até o sétimo mês subsequente ao término do ano fiscal, e incidirá sobre os lucros excedentes.
No mesmo dia da publicação da MP nº 1.262/24, também foi publicada a IN RFB nº 2.228/24, que regulamenta a metodologia de cálculo das bases de cálculo, alíquotas e ajustes do Adicional da CSLL; hipóteses de exceção e regras simplificadoras (safe harbors); assim como critérios de conversão de moedas, definição de termos, entre outros temas.
Regras GloBE e Pillar Two
A criação do adicional é um movimento do Brasil rumo ao alinhamento com o Pillar Two das Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE), elaboradas pelo Quadro Inclusivo (Inclusive Framework on Base Erosion and Profit Shifting), coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Grupo dos 20 (G20).
O Pillar Two consiste na criação de um Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado (Qualified Domestic Minimum Top-up Tax – QDMTT) por cada jurisdição, a fim de assegurar uma tributação mínima efetiva de 15% sobre a renda.
Isso ocorre porque grupos multinacionais, visando obter vantagens tributárias, tendem a deslocar seus lucros para jurisdições de baixa tributação, o que resulta na erosão da base tributária das jurisdições de tributação mais elevada, além de prejudicar o mercado internacional. Dessa forma, o tributo mínimo visa coibir o deslocamento dos lucros que contraria a lógica de mercado, buscando obter vantagem na tributação da renda.
Assim, a MP estipula que a Receita Federal do Brasil (RFB) deve atualizar periodicamente a regulamentação, de modo que esta reflita as atualizações dos documentos de referência do Quadro Inclusivo da OCDE e mantenha o Adicional da CSLL com as características necessárias para ser classificado como um Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado.
Cálculo por Jurisdição e Atribuição às Entidades Constituintes
O cálculo do Adicional da CSLL será realizado por jurisdição. Ou seja, será feito um único cálculo considerando todas as entidades do grupo multinacional situadas no Brasil.
Após a apuração do Adicional da CSLL, seu valor será atribuído às entidades do grupo multinacional que tenham apurado lucros excedentes no ano fiscal, com base no Lucro Líquido GloBE de cada uma, multiplicado pela sua Alíquota Efetiva individualmente calculada, ou, na impossibilidade, proporcional ao Patrimônio Líquido (PL) de cada entidade.
Nesse aspecto, é possível prever dificuldades significativas na operacionalização dos cálculos e no pagamento do Adicional.
Isso porque, ainda que componham um mesmo grupo multinacional, as entidades situadas no Brasil nem sempre têm gestão conjunta e compartilhamento de informações confidenciais. De fato, por questões de boa governança, essas empresas muitas vezes não detêm nenhuma informação sobre as outras além daquelas que qualquer outro integrante do mercado teria.
No entanto, dado o cálculo conjunto do Adicional da CSLL, uma entidade só pode cumprir sua obrigação (principal e acessória) se todas as empresas do grupo fornecerem as informações necessárias e cumprirem conjuntamente as obrigações.
Penalidades
As entidades que não prestarem as informações exigidas para a apuração do Adicional da CSLL estarão sujeitas a multa de até 0,2% ao mês ou fração de atraso, calculada sobre a receita total das entidades do grupo situadas no Brasil, limitada a 10% ou R$ 10 milhões; além de multa de 5%, não inferior a R$ 20 mil, sobre o valor omitido, inexato ou incorreto.
Tendência a Discussões Judiciais
Há uma tendência de que o Adicional da CSLL desencadeie discussões judiciais e administrativas, especialmente no que se refere à revogação tácita de benefícios fiscais e à isonomia tributária. Afinal, contribuintes que usufruem de um mesmo benefício que reduz o IRPJ, sendo um integrante de grupo multinacional e outro não, terão uma redução de sua carga tributária. No entanto, o integrante de grupo multinacional poderá ter seu benefício “revertido” pelo Adicional da CSLL.
Outro aspecto que provavelmente será alvo de questionamento judicial está relacionado à constitucionalidade do Adicional da CSLL.
Isso porque ele foi instituído por norma infraconstitucional, mas suas especificidades quanto ao fato gerador, à alíquota e à base de cálculo delineiam o que pode ser entendido como um novo tributo. Isso se torna ainda mais evidente pelo fato de a própria MP estabelecer que o Adicional da CSLL é um Qualified Domestic Minimum Top-up Tax, algo que a própria CSLL não é.
Dessa forma, tratando-se de um novo tributo, seria necessária uma Emenda Constitucional que previsse a competência da União para instituí-lo e administrá-lo.
A MP, na tentativa de evitar discussões sobre o Adicional da CSLL, dispõe que “o tributo será considerado não recolhido caso seja, direta ou indiretamente, objeto de litígio judicial ou administrativo, e não poderá ser utilizado como crédito na aplicação das Regras GloBE pelo Grupo de Empresas Multinacional em nenhuma circunstância, ano fiscal ou jurisdição”.
Essa disposição final é, no mínimo, interessante, pois impõe regras a entidades não situadas no Brasil, sobre as quais o legislador brasileiro não tem competência para determinar como serão aplicadas as Regras GloBE. Afinal, as entidades situadas em outras jurisdições aplicarão as Regras GloBE conforme internalizadas por aquela administração tributária.
Como Calcular o Adicional da CSLL?
Os conceitos aplicáveis ao cálculo do Adicional da CSLL são novos no ordenamento brasileiro e, por isso, causaram certa estranheza até mesmo ao contribuinte mais habituado aos cálculos do IRPJ e da CSLL no Brasil.
Para ilustrar o cálculo do Adicional da CSLL, anexamos a este texto uma simulação da aplicação da metodologia descrita na MP nº 1.262/24 e na IN RFB nº 2.228/24.
O Que Esperar?
Os textos da MP nº 1.262/24 e da IN RFB nº 2.228/24, traduzidos em muitos dispositivos de forma literal dos documentos aprovados pelo Quadro Inclusivo, soam como editados às pressas. Não por coincidência, foram publicados em 03/10/24 para cumprir a anterioridade nonagesimal, permitindo que o adicional esteja vigente a partir de 1º de janeiro de 2025.
Simultaneamente à publicação da IN RFB nº 2.228/24, foi aberta uma Consulta Pública, evidenciando que a própria RFB reconhece que a regulamentação é, no mínimo, obscura e possui lacunas. No período de 04/10 a 10/11, qualquer interessado pode se manifestar sobre qualquer dispositivo da IN, bem como sobre temas não tratados e a necessidade de exemplos e esclarecimentos.
Durante o processo de conversão da MP nº 1.262/24 em lei, muitas alterações ainda podem ocorrer, assim como se aguarda uma (necessária) alteração da IN RFB nº 2.228/24 após a consulta pública.
Sem grande surpresa, os contribuintes se encontram em um cenário de insegurança jurídica, pois, embora os textos estejam vigentes e o tributo seja exigível para os fatos geradores a partir de 1º de janeiro de 2025, ainda há muitas incertezas, pela norma e sua regulamentação, quanto à forma correta de calcular o Adicional da CSLL.