De forma vexatória, a Receita Federal do Brasil abre um novo capítulo na guerra sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Vale rememorar que em 2017, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 574.706, definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS.
Em 13 de maio de 2021, a Corte, em análise do recurso de Embargos de Declaração apresentados pela Fazenda Nacional, estatuiu que o valor a ser excluído da base de cálculo das contribuições é o imposto destacado no documento fiscal e não o recolhido na apuração mensal do ICMS.
Este entendimento, perfeitamente correto, consolidou uma dívida bilionária da União Federal para com os contribuintes.
“Astutamente”, a Receita Federal correu atrás de frear este rombo, e, novamente, passou a legislar por si própria.
Neste cenário, editou a Solução de Consulta COSIT nº 10 de 01.07.2021 para estabelecer que na apuração do PIS e da COFINS, o crédito a ser utilizado não deve ter em sua base o ICMS pago na operação.
Em suma, diz a Receita Federal: Já que o contribuinte tem o direito de excluir o ICMS do PIS/COFINS a pagar, também terá que excluir o imposto do crédito destas contribuições quando de sua apuração.
De acordo com a coordenação-geral de tributação, em função da aplicação do método de base contra base, o valor sobre o qual a pessoa jurídica compradora aplicará a alíquota de 9,25% para apuração do crédito do PIS e da COFINS, atendendo a regra da não cumulatividade, será o mesmo valor que serviu de base de cálculo para apuração das mesmas contribuições pelo vendedor. Assim, o crédito será sobre o valor da nota fiscal de compra, subtraído o ICMS da operação, visto que esse imposto, conforme a decisão do STF, não integra o preço do produto e, consequentemente, não integra o faturamento do vendedor, nem o valor de aquisição do comprador.
Falácia maior não existe. O ICMS pode até não compor o faturamento do vendedor, mas, certamente, compõe o valor de aquisição do comprador, que arca, como contribuinte de fato, com este imposto estadual.
A solução de consulta tenta enveredar uma regra de justiça no sentido de que, se não tem pagamento sobre ICMS em uma ponta, também não deve haver crédito em outra. Segundo a Receita Federal, caso seja admitida a manutenção do ICMS no valor de aquisição de bens que dão direito a crédito, haverá um desvirtuamento da não cumulatividade do PIS/COFINS, esvaziando a arrecadação.
Ocorre que a Receita Federal deturpa conceitos jurídico-tributários e ofende a legalidade ao afastar o creditamento de PIS e COFINS sobre o ICMS incidente na operação de aquisição dos insumos.
Uma coisa é o conceito de receita, que constitui a base de cálculo para pagamento do PIS e da COFINS. Neste cenário, segundo o STF, ICMS destacado no documento fiscal não é receita, pois apenas transita pelo caixa do contribuinte com destino ao Estado.
Outra, é o crédito de PIS e COFINS sobre o valor de aquisição de seus insumos, que compreende todo o montante necessário para a obtenção do bem ou serviço, o qual é formado pelos tributos incidentes na operação de venda, inclusive os recuperáveis, como o ICMS. Esta assertiva é embasada pela antiga orientação da própria RFB na vigência da IN 404/2004 e corroborada pela atual IN 1.911/2019.
Portanto, os tributos que compõem as compras de bens ou serviços integram o valor de aquisição e autorizam o crédito das contribuições, conforme artigo 3º da Leis nº 10.833/2003 e 10.637/2002.
Em arrimo, para que se afaste o ICMS da apuração do crédito das contribuições é preciso uma alteração das leis referidas, sendo que qualquer norma da Receita Federal, notadamente orientações em soluções de consultas, é insuficiente para afastar o direito de crédito integral dos contribuintes.
Não se trata de um critério de justiça ou razoabilidade, mas de legalidade, que deve ser imperativamente observada.
Esta postura da Receita Federal abre um novo capítulo na Tese do Século, cujo deslinde será o reconhecimento do direito dos contribuintes, com o consequente cancelamento de autuações e a devolução de valores exigidos indevidamente.
Registra-se que já se observam exigências ilegais contra os contribuintes relativas aos últimos 05 anos, o que aumenta o absurdo fazendário, em especial considerando que a “orientação” apenas foi publicada em julho deste ano e seus efeitos deveriam ser restritos ao futuro.
Mesmo neste antro de absurdos e ofensas, oportunamente, quando do acerto de contas com os contribuintes, virá a Receita Federal arguir que haverá desembolso de caixa, rombo nas contas públicas etc. para justificar a manutenção de suas ilegalidades, tal como fez no julgamento acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Para que não haja rombo nas contas públicas, basta que a União Federal observe a estrita legalidade e não se beneficie por décadas de uma arrecadação ilegal, tal como volta a fazer por meio da Solução Cosit nº 10/2021.